Mito
O texto a
seguir foi retirado de um livro que reúne vários mitos gregos. Conta a história
de Prometeu, um dos seis Titãs, raça de gigantes que habitou a Terra antes de o
homem existir. Essa narrativa nos
traz a visão mitológica, de como os
homens obtiveram o domínio do fogo.

PROMETEU
Prometeu
era um jovem Titã que não tinha lá muito respeito por Zeus. Embora soubesse que
o soberano dos céus se irritava quando lhe faziam perguntas muito diretas, não
hesitava em confrontá-lo sempre que queria saber alguma coisa.
Certa
manhã, dirigiu-se a Zeus e disse:
− Oh,
grande Senhor dos Raios, não compreendo seu propósito. O senhor colocou a raça
humana sobre a Terra, mas insiste em mantê-la na ignorância e na escuridão.
−
Da raça humana cuido eu – respondeu Zeus. – O que você chama de ignorância é
inocência. O que você chama de escuridão é a sombra da minha vontade. Os
mortais estão felizes como estão. E foram concebidos de tal forma que vão
continuar felizes até que alguém os convença do contrário. Para mim esse
assunto está encerrado.
Mas
Prometeu continuou:
− Olhe para
a Terra. Olhe para os homens. Eles vivem nas cavernas, andam à mercê dos
animais selvagens e das mudança do
tempo. Comem carne crua! Se existe algum propósito nisso, eu imploro, diga-me
qual é! Por que o senhor se recusa a dar aos homens o dom do fogo?
Zeus
respondeu:
− Por acaso
você não sabe, jovem Prometeu, que para cada dom existe uma punição? É assim
que as Moiras fiam o destino, ao qual até mesmo os deuses devem se submeter. Os
mortais não conhecem o fogo, é verdade, nem os ofícios que dele advêm. Por
outro lado, também, não conhecem a doença, a velhice, a guerra, nem aquela
peste interior chamada preocupação. Acredite em mim, eles estão felizes sem o
fogo. E assim devem permanecer.
− Felizes
como os animais – argumentou Prometeu. – Qual é o sentido de criar os humanos e
fazer deles uma raça distinta, dotando-os de escassa pelagem, de certa
inteligência e do curioso charme da imprevisibilidade? Se devem viver dessa
maneira, por que separá-los dos animais?
− Os
humanos têm ainda outra qualidade – disse Zeus – Eles possuem o dom da
adoração: uma para admirar nosso poder,
para ficarem intrigados diante de nossos enigmas, para se maravilharem diante
de nossos caprichos. Foi para isso que foram criados.
− Mas não
ficariam mais interessantes se dominassem o fogo e criassem maravilhas com ele?
− Mais
interessantes, talvez, porém infinitamente mais perigosos. Pois os humanos
contam ainda com mais esta característica: a vaidade, um orgulho próprio que,
ao menor estímulo, pode adquirir proporções descomunais. Dê a eles o progresso,
e eles imediatamente se esquecerão daquilo que os torna seres assim tão
aprazíveis: a humildade e a disposição para adorar. Vão ficar todos cheios de
si e vão começar a se considerar deuses também. Corremos o risco de vê-los bem
aqui, à nossa porta, prontos para invadir o Olimpo. Agora chega, Prometeu!
Tenho sido paciente com você, mas minha paciência tem limites! Agora vá embora,
e não me perturbe mais com suas especulações.
Prometeu
não se deu por satisfeito. Passou toda aquela noite acordado, fazendo planos.
Na madrugada, levantou-se de seu sofá e, pé ante pé, atravessou o Olimpo.
Segurava um caniço dentro do qual havia um pavio de fibras secas. Assim que
chegou à beira do monte, esticou o braço em direção ao horizonte leste – onde
brilhavam os primeiros raios de sol –
e deixou que o pavio se acendesse no fogo. Em seguida, escondeu o caniço em sua
túnica e desceu à Terra.
De início,
os homens ficaram assustados com o presente. Era tão quente, tão fugaz... Não
se deixava tocar e, por puro capricho, fazia dançar as sombras que criava sobre
o chão. Eles agradeceram a Prometeu e pediram que ele levasse o presente de
volta. Mas Prometeu buscou a carne de um cervo caçado recentemente e a segurou
sobre o fogo. Quando a carne começou a assar e a crepitar, impregnando a
caverna com seu cheiro delicioso, as pessoas se deixaram levar pela fome e se
lançaram sobre o assado, devorando-o voluptuosamente e queimando suas línguas.
− Isto que
trouxe de presente chama-se “fogo” – explicou Prometeu. – Trata-se de um
espírito indomável, um pequeno irmão do Sol. Mas se for tratado com cuidado,
poderá mudar a vida de toda a humanidade. Também é um espírito guloso; vocês
devem alimentá-lo com galhos e folhas, porém somente até que ele atinja um
tamanho adequado. Depois disso, não o alimente mais, ou ele devora tudo
que estiver ao seu alcance, inclusive
vocês. Somente uma coisa será capaz de detê-lo: a água. O espírito do fogo teme o espírito da
água. Se for tocado pela água, ele desaparece até que seja chamado novamente.
Prometeu
saiu da caverna onde estava e deixou ali uma fogueira acesa. Criancinhas com olhos arregalados se juntaram
em torno da novidade. Em seguida, percorreu todas as cavernas sobre a face da
Terra e repetiu o mesmo discurso.
Algum tempo
depois, Zeus olhou do alto do Olimpo e ficou perplexo. Tudo havia mudado. Os
homens haviam deixado suas cavernas. Zeus viu cabanas de lenhadores, fazendas,
vilarejos, cidades muradas, e até mesmo
um castelo ou dois. Os homens cozinhavam os alimentos e carregavam tochas para
iluminar seu caminho à noite. No interior de oficinas flamejantes, fabricavam
cochos, quilhas, espadas e lanças. Construíam navios e costuravam velas,
ousando se aproveitar da fúria dos ventos para se locomover. Usavam capacetes e
travavam batalhas montados em bigas, assim como faziam os próprios deuses.
Zeus ficou
furioso e imediatamente apanhou o maior raio de que dispunha.
− Se eles
querem fogo – disse a si mesmo – , então fogo eles terão! E muito mais do que
pediram! Vou transformar aquele mísero planeta que eles chamam de Terra em um
monte de cinzas! – Mas, de repente, uma ideia surgiu em sua mente e Zeus
abaixou o braço. – Além de vingança – prosseguiu – quero diversão! Que eles se
destruam com suas próprias mãos e suas próprias descobertas! Vai ser um
espetáculo longo, muito interessante de se ver! Deles posso cuidar depois. Meu
assunto agora é com Prometeu!
Zeus
chamou sua guarda de gigantes e ordenou que eles prendessem Prometeu,
levassem-no até o Cáucaso e o amarrassem ao pico de uma montanha com correntes
tão fortes – especialmente forjadas por Hefesto – que nem um Titã em fúria
seria capaz de arrebentá-las. Feito isso, chamou dois abutres e mandou que eles
comessem lentamente o fígado daquele obstinado amigo dos mortais.
Os homens
sabiam que algo de terrível acontecia no alto da montanha, mas não sabiam
exatamente o quê. O vento uivava como um gigante atormentado e , às vezes,
gritava como as aves de rapina.
Prometeu
permaneceu ali durante muitos séculos, até nascer outro herói suficientemente
corajoso para desafiar os deuses. Esse herói foi Heracles, que subiu até a
montanha, cortou as correntes que prendiam Prometeu e matou os abutres.
Bernard Evslin. Heróis, deuses e monstros da mitologia grega. São Paulo: Arxjovem, 2004. (Texto adaptado)
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